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O Papel do Judiciário na proteção das mulheres

A Fenajud ouviu duas advogadas para saber os avanços e desafios no combate à violência contra as mulheres no âmbito da Justiça. Entrevista será veiculada em duas matérias, sendo a primeira nesta quinta (1) e a segunda matéria na próxima segunda (5). 

O Agosto Lilás é marcado habitualmente como um mês dedicado à conscientização sobre a importância do combate à violência doméstica e ao fortalecimento das políticas de proteção às mulheres. O movimento que foi criado em alusão a Lei Maria da Penha, sancionada em 07 de agosto de 2006, agora completa 18 anos. E para trazer luz ao tema, a Fenajud (Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário nos Estados) e os sindicatos filiados ampliaram o debate para além do que se enquadra na lei. A Federação ouviu duas advogadas, Laura Tasca (OAB-RJ 246493) e Hyezza Tavares (OAB-BA 69865), para saber como o Poder Judiciário pode ser decisivo na promoção de justiça, proteção e segurança. 

No Brasil, a atuação do Judiciário é essencial para a efetivação dos direitos das mulheres e para a aplicação das leis relacionadas às violências sofridas. E um dos mecanismos oferecidos é a possibilidade de a vítima solicitar medidas protetivas de urgência, sendo o Judiciário o responsável por avaliar e decidir sobre a concessão delas. Vale salientar que, também, cabe ao Judiciário a condução dos processos judiciais relacionados aos casos de violência doméstica, isso envolve desde a análise das provas e depoimentos até a aplicação de penas e sanções para os agressores. A atuação das varas especializadas em violência doméstica e familiar também existe para atender as necessidades dessas vítimas. 

Mas será que esse Poder, tão importante para a sociedade, tem desempenhado o seu papel de maneira eficiente? Os profissionais envolvidos, como juízes(as), promotores(as), defensores(as) públicos(as) e servidores(as), contam com formação sobre questões de gênero e violência doméstica? Há eficácia das medidas protetivas previstas na legislação brasileira, como a Lei Maria da Penha, na prática judicial? Quais são os maiores desafios que as vítimas enfrentam? Para essas e outras perguntas, as advogadas falaram à Federação como tem sido na prática. 

Foto: arquivo pessoal

Para Laura, “A Lei Maria da Penha é amplamente reconhecida por sua abrangência e importância, estabelecendo diversas medidas protetivas que podem ser aplicadas rapidamente para proteger as vítimas. No entanto, na prática judicial, a implementação dessas medidas enfrenta desafios significativos. A falta de fiscalização adequada é um problema recorrente, resultando na não efetividade das ordens de proteção. Além disso, a subnotificação de casos de violência doméstica continua sendo uma barreira significativa, muitas vezes devido ao medo de represálias ou à dependência econômica das vítimas. A insuficiência de recursos financeiros e profissionais limita ainda mais a capacidade das autoridades de garantir proteção efetiva às vítimas. As áreas que poderiam ser aprimoradas incluem a capacitação contínua dos profissionais do sistema de justiça, melhorando a compreensão e a sensibilidade dos juízes, promotores, policiais e assistentes sociais em relação às dinâmicas do abuso. A integração e coordenação entre os serviços de saúde, assistência social, segurança pública e justiça são essenciais para proporcionar um suporte integral às vítimas. Melhorias no monitoramento das medidas protetivas, como o uso de tecnologias de rastreamento para agressores e a criação de mecanismos rigorosos de fiscalização, são necessárias para garantir o cumprimento das ordens judiciais. Lembrando também o quanto campanhas de conscientização e educação contínuas são fundamentais para educar a população sobre a violência doméstica, os direitos das vítimas e a importância de denunciar os abusos”, conta. 

Foto: arquivo pessoal

Já Hyezza aponta que “Embora legalmente, as medidas protetivas são consideradas um marco na legislação da proteção às mulheres, visando a prevenção de futuros crimes antes da ação penal e seus desdobramentos, o cotidiano com vítimas de violência doméstica e abuso intrafamiliar demonstra que a eficácia e o sentido de proteção acabam se perdendo nos próprios organismos públicos e seus entraves. A efetividade das medidas protetivas acaba se tornando um viés de maiores violências e ataques por parte de agressores ao se verem denunciados e “impedidos” de acesso às mulheres que consideram bens próprios, e não seres humanos detentores de direitos, e sua implementação esbarra no não cumprimento de forma eficiente expondo as vítimas a riscos contínuos. A lentidão dos processos judiciais e a sobrecarga dos tribunais também resultam em lapsos quanto a análise tanto das medidas em si como dos desacatos e violações, deixando as vítimas vulneráveis por mais tempo do que o desejável e descrentes do processo legal. O próprio Ministério da Justiça através do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, ao anunciar novas diretrizes nesse ano de 2024, recomendou o uso de tornozeleiras eletrônicas como uma das formas de garantir o afastamento de indivíduos proibidos de se aproximar de mulheres por medidas protetivas, visando tanto que o agressor em si se coloque psicologicamente em uma situação de ciência de que a quebra ensejará aviso automático como na agilidade dos serviços policiais quando da quebra e do afastamento. Para isso o Brasil precisa interagir com os mecanismos já existentes na Lei Maria da Penha, que é a integração de diversos setores como saúde, educação e a rede de controle social”. 

Apesar dos avanços significativos, as vítimas de violência doméstica enfrentam desafios no Judiciário. Segundo a Dra. Laura, um dos maiores problemas é a falta de sensibilidade e compreensão dos profissionais do Judiciário, onde muitas vítimas relatam um tratamento insensível e, por vezes, desrespeitoso, o que pode desencorajá-las a buscar justiça. A morosidade dos processos judiciais é outro problema grave, pois a lentidão no andamento dos casos pode prolongar o sofrimento das vítimas e comprometer a eficácia das medidas protetivas. A ausência de suporte psicológico e social adequado dificulta a recuperação das vítimas e sua capacidade de lidar com o sistema judicial. Além disso, muitas vítimas experimentam re-vitimização durante os procedimentos legais, especialmente quando são questionadas de forma inadequada ou descredibilizadas. Para melhorar o suporte às mulheres que buscam justiça, o Judiciário poderia adotar várias medidas. Oferecer treinamentos regulares e contínuos para juízes, promotores, policiais e outros profissionais sobre questões de gênero e violência doméstica é essencial. Isso inclui a criação de protocolos de atendimento que garantam um tratamento mais empático e respeitoso. A criação de mais abrigos e serviços de apoio é crucial para fornecer um refúgio seguro e suporte contínuo às vítimas, incluindo serviços de atendimento psicológico, assistência jurídica gratuita e programas de capacitação profissional. Implementar procedimentos para acelerar a concessão de medidas protetivas, minimizando a burocracia e agilizando os trâmites processuais, é outra medida importante. Essas mudanças podem criar um ambiente mais seguro e acolhedor para as vítimas, incentivando mais mulheres a denunciar abusos e buscar justiça”. 

Hyezza corrobora a fala e cita que “A re-vitimização e a estigmatização através de processos, perguntas, e procedimentos invasivos e incoerentes com a gestão emocional traumática são frequentes durante os processos judiciais que envolvem abuso sexual e violência doméstica e intrafamiliar principalmente quando envolve não apenas a mulher em si mas seus filhos, gerando outros atravessamentos como a acusação de alienação parental e a perda da guarda. Dentro da vara de família as vítimas enfrentam um verdadeiro cenário de terror onde suas alegações e vivências são descartadas e a utilização do processo como meio de litigância abusiva e vitimária é constante e aceitável. A litigância abusiva é utilizada com a intenção de prejudicar, intimidar ou pressionar vítimas de violência doméstica, utilizando o processo para violentar novamente, mas dessa vez com o judiciário, ao invés de resolver disputas de forma legítima e justa. Para tentar mitigar tais acontecimentos é necessária uma revisão e controle dos procedimentos através de implementação de mecanismos para monitorar e controlar o uso abusivo dos processos, como a análise rigorosa de pedidos de recursos e a verificação da legitimidade das ações além de ações legais diretas como compensações ou outras formas de reparação por danos causados pela litigância abusiva. Ainda a integração entre diferentes serviços, como polícia, judiciário e redes de apoio, conforme a Lei Maria da Penha e diretrizes nacionais indicam em vez de rechaçar a comunicação entre as redes, como é o de praxe envolvendo processos da vara de família”. 

Quando questionadas de que maneira a sensibilização e a capacitação de profissionais do Judiciário, como juízes(as) e servidores(as), podem impactar o tratamento dos casos de violência contra a mulher, a Dra Hyezza aponta que “Capacitar os profissionais do Judiciário tem um impacto profundo no tratamento de casos de violência contra a mulher. Primeiro, quando juízes e servidores entendem melhor como a violência funciona, incluindo os padrões de controle e manipulação, eles podem lidar com os casos com mais empatia e cuidado. Isso ajuda a evitar decisões baseadas em preconceitos e além de reduzir a re-vitimização evitando perguntas e práticas que possam causar mais trauma às vítimas”. 

A Dra Laura cita que “A sensibilização e a capacitação dos profissionais do Judiciário, como juízes e servidores, são fundamentais para garantir um tratamento adequado e eficaz dos casos de violência contra a mulher. Profissionais bem treinados estão mais aptos a compreender as complexidades dos casos de violência doméstica, agindo com empatia e eficiência. Isso pode resultar em decisões mais justas e bem fundamentadas, onde juízes e promotores capacitados são capazes de tomar decisões que realmente protejam as vítimas e responsabilizem os agressores de forma adequada. Quando as vítimas percebem que são tratadas com respeito e que suas necessidades são levadas a sério, a confiança no sistema judicial aumenta, incentivando mais mulheres a denunciar abusos”. 

Dados do CNJ 

A Federação entrou em contato com o Conselho Nacional de Justiça, onde questionou o volume de casos de violência doméstica e familiar que são processados anualmente no Judiciário; as taxas de efetividade das medidas protetivas impostas em casos de violência doméstica, e como o cumprimento dessas medidas é monitorado e garantido pelo Judiciário; e quais as iniciativas e programas o CNJ tem implementado para melhorar a capacitação dos juízes e demais profissionais envolvidos no processamento de casos de violência doméstica e familiar, e qual é o impacto dessas iniciativas na qualidade das decisões judiciais, mas não obteve retorno até a publicação dessa matéria. 

Agosto Lilás 

A Campanha deste ano da Federação tem como slogan “Agosto Lilás – Não tem desculpa!” e contará com publicações ao longo do mês no site e redes sociais da entidade. O projeto é uma oportunidade de divulgar informações e fazer a reflexão sobre o papel vital do Judiciário na proteção das mulheres e na luta contra a violência doméstica. A entrevista com as advogadas será veiculada em duas matérias, sendo a primeira nesta quinta (1) e a segunda matéria na próxima segunda (5). 

A campanha faz parte do compromisso contínuo da Federação em defender a promoção de esforços entre diferentes instituições, para garantir a segurança e a justiça para todas as mulheres, tendo a atuação do Judiciário como um pilar crucial na construção de uma sociedade onde a violência doméstica não tenha espaço e onde os direitos das mulheres sejam plenamente respeitados.


Fonte: Fenajud
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