Que sociedade queremos construir?
Causa assombro e perplexidade a constatação de que, conforme dados estatísticos do TJGO, já tenhamos registrado a distribuição de mais de 3 mil processos relacionados à violência doméstica e familiar em Goiás, apenas nos dois primeiros meses deste ano. Os números nos desafiam como magistrados, mas, sobretudo, como sociedade civil. Há algo realmente equivocado em relação ao estabelecimento de marcos civilizatórios, quando o desgaste das relações de afeto é tratado com violência física, emocional ou econômica.
O problema está longe de ser apenas estatístico. A violência contra a mulher é um fenômeno que atravessa gerações e persiste em nossa sociedade. Ela não é fruto do acaso, mas sim de uma cultura que normaliza o abuso, relativiza o sofrimento feminino e perpetua relações de poder desiguais. Não se trata de casos isolados ou desvios de comportamento individuais. Trata-se de um modelo social que tolera, minimiza e, muitas vezes, justifica a agressão.
Em uma edição recorde, a Semana Pela Paz em Casa, que acontecerá entre os dias 10 e 15 de março em todo o Estado de Goiás, realizará 1,9 mil audiências de instrução e julgamento de processos afetos à violência doméstica, mobilizando 44 juízes, além de promotores, advogados e demais operadores do sistema de justiça, em todo o Estado. A Semana é resultado de uma parceria entre o Conselho Nacional de Justiça e os tribunais estaduais de todo o País, com o objetivo de ampliar a efetividade da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), concentrando esforços para agilizar o julgamento de processos envolvendo violência de gênero.
Iniciado em 2015, o Justiça Pela Paz em Casa conta com três edições concentradas por ano e a escolha do mês de março traz consigo toda a simbologia do mês em que se celebra o Dia Internacional da Mulher. Paradoxalmente, se há muito a comemorar — em razão do expressivo número de processos em julgamento, também há muito a se refletir.
Na Semana Pela Paz em Casa, ao entregarmos a prestação jurisdicional, reforçamos nossa esperança em dias menos violentos e mais solidários para as mulheres e na ampliação da conscientização de todos, a fim de que os relacionamentos familiares alicercem-se no respeito, na parceria e na igualdade. No entanto, demonstra que, de alguma maneira estamos falhando enquanto sociedade. Cabe a todos nós a reflexão sobre o que mais podemos fazer.
Para a Coordenadoria da Mulher do TJGO, a violência de gênero é um problema de todos. Cala profundamente à alma feminina, mas está umbilicalmente ligado a quem somos como sociedade e cidadãos. Um lar violento não destrói apenas a mulher que sofre diretamente a agressão. Ele molda filhos e filhas dentro de um ambiente de medo, naturalizando relações de poder desiguais e perpetuando o ciclo da violência. Então, a todos nós o questionamento: que legado estamos construindo para as futuras gerações?
Alice Teles de Oliveira, desembargadora e titular da coordenadoria estadual da Mulher em situação de violência doméstica e familiar do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO). Com: Simone Pedra Reis, juíza e primeira vice-coordenadora da coordenadoria