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“Precisamos ter coragem para transpor ranços do passado”

Como as eleições podem impactar o movimento sindical e o Poder Judiciário? Esta é uma pergunta que precisamos responder antes de outubro, quando elegeremos novos representantes para o executivo e o legislativo. Na pauta estão questões importantes para toda a categoria. O SINDJUSTIÇA inicia uma série de matérias e entrevistas sobre o tema para buscar jogar luz nas principais problemáticas que devem pautar o voto do trabalhador do judiciário. Nesta primeira entrevista, conversamos com o diretor de Relações de Trabalho e Assuntos Jurídicos do SINDJUS do Rio Grande Sul, especialista em Direito e vice presidente da Escola de Formação Sindical Fazendo EscolaEmanuel Dall’Bello dos Santos. Ele fala sobre os desafios da renovação de lideranças no sindicalismo, a importância da representatividade e da diversidade no poder público e das mudanças que espera que aconteçam com as eleições.

Atualmente percebemos um distanciamento entre os trabalhadores do Poder Judiciário e a sociedade, muito a partir da construção midiática de que é uma categoria cercada de privilégios. Como desfazer esta imagem e trazer o apoio da sociedade para as causas desses trabalhadores?

Emanuel Dall`Bello dos Santos – Devemos ter dois olhares sobre esta problemática, pois existem movimentos distintos, mas complementares. Um dos fatores é realmente a (des)construção midiática sobre os serviços e carreiras públicas, que é uma das vias dos asseclas do neoliberalismo atuarem subjetivamente no inconsciente da população, reiterando ininterruptamente a narrativa de desqualificação dessas categorias de trabalhadores e trabalhadoras e do próprio papel do Estado, denunciando conquistas, que deveriam servir de modelo para serem ampliadas, como se privilégios e benesses fossem, por exemplo. Alinhado a isso, estão as ofensivas do mercado sobre os serviços públicos, na busca de uma intensa precarização do setor para cada vez mais legitimar essa narrativa e tentar implodir a estrutura que mais assegura direitos básicos à população, numa sanha insaciável pela usura. Do outro lado está grande parcela da categoria que não se enxerga enquanto classe trabalhadora, não percebe que a maior parte de seus problemas são idênticos ao da maior parte da população oprimida pelo sistema capitalista que opera na exploração constante do povo que batalha por uma vida digna. Acreditar que estão mais perto do Olimpo do que do chão batido é tão limitante quanto entender direitos como privilégios. Para superar esse descaminho, devemos nos aproximar cada vez mais das outras categorias de trabalhadores e trabalhadoras e de movimentos sociais de diversas temáticas, que dialoguem verdadeiramente com o povo e consequentemente fortaleça os laços entre as diversas pautas, abrindo os olhos que infelizmente ainda estão fechados. Precisamos criar coletivos para ampliar a atuação sindical em pautas identitárias e demais, aprimorando o exercício da democracia e da construção com as nossas bases. O corporativismo extremo, nesse contexto, pode acabar por extenuar nossos movimentos.

Você já falou, em palestras, sobre a importância das universidades no fortalecimento das lideranças do Poder Judiciário. Como é possível investir nesta parceria?

Emanuel Dall`Bello dos Santos – A educação nunca foi tão atacada no nosso país como ocorreu nos últimos seis anos. A destruição de projetos sociais de relevância internacional, os assustadores cortes de recursos, a desvalorização constante das universidades e escolas públicas bem como dos professores e professoras podem levar nosso país a um colapso educacional. Assim como ocorre com a educação, o sindicalismo e todas as demais formas de organização popular têm sido constantemente atacadas no atual (des)governo. Eis um primeiro motivo para que esses dois braços de um mesmo rio se encontrem: a união é necessária para a resistência ao obscurantismo e para a conscientização e educação do povo. A ideia de educação do atual paradigma mercadológico é formar engrenagens não pensantes dentro de um sistema no qual os próprios trabalhadores oprimam seus iguais. As universidades, além da formação acadêmica e produção de conhecimento científico, são um berçário de brilhantes ideias. Podem auxiliar muito no processo de justificação, argumentação, apresentação de resultados quantitativos e qualitativos com base em pesquisas, organização de eventos de formação profissional e política, assim como inúmeros outros que aprofundem o conhecimento sobre nossas pautas enquanto classe trabalhadora e o embasamento para discussão, mobilização e luta! Da mesma forma, a academia tem acesso a inúmeras oportunidades, inclusive de acesso a recursos humanos e financeiros, para o desenvolvimento desses trabalhos. É um namoro auspicioso, que certamente trará excelentes frutos. No sul do país, temos o Fazendo Escola, que é nosso Centro de Estudos e Pesquisa em Trabalho Público e sindicalismo, composto atualmente por sindicatos do judiciário estadual e federal de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Bahia, por meio do qual desenvolvemos fortes laços com as universidades públicas, implementando trabalhos fundamentais, como, por exemplo, um seminário internacional de formação sobre o futuro do trabalho e uma pesquisa de saúde sobre os impactos psicossociais do trabalho na pandemia, pensadas e realizadas conjuntamente a departamentos da Universidade Federal de Santa Catarina. Essa parceria é um caminho sem volta, e possibilitará cada vez mais a formação dos novos quadros de lideranças.

Além da formação, também é preciso trazer pessoas jovens para o movimento sindical. Como lidar com esse desafio? O que o jovem de hoje vê no movimento sindical?

Emanuel Dall`Bello dos Santos – O movimento sindical possui um recorte geracional muito evidente. Na maioria dos espaços dos quais faço parte na atuação sindical, a média de idade está entre 50 e 60 anos, com raríssimas exceções de pessoas com menos de 30 anos. Este é um imenso desafio para o movimento, que precisa urgentemente se reinventar, se oxigenar, sob pena de o sindicalismo ser ameaçado de extinção. E nesse caso não apenas pelos ataques de governos e organizações da burguesia, mas pelo aumento do desinteresse das novas gerações que ocupam e que ocuparão os serviços públicos e o mercado de trabalho em geral. As pessoas precisam se sentir representadas! Outro aspecto relevante é o abrupto atravessamento da tecnologia e das novas formas de opressão da classe trabalhadora, o que demandará cada vez mais o conhecimento e a adaptação de lideranças capazes de enfrentar tal dinâmica. Creio muito no equilíbrio, por meio do qual tento sempre pautar minha vida, e entendo que a experiência é fundamental para acolher, dar estrutura e guiar o novo, aconselhar, mas nunca segregando sua participação ou diminuindo sua importância. A luta é coletiva e transgeracional! Estamos em um ano eleitoral que será decisivo para os caminhos da sociedade brasileira.

Como as eleições em outubro devem impactar o movimento sindical e o Poder Judiciário?

Emanuel Dall`Bello dos Santos – Nosso futuro depende de uma mudança drástica na representação política nacional. Não precisamos de especialistas para realizar uma análise conjuntural para percebermos o buraco onde nos encontramos, cavado pela incapacidade, violência, autoritarismo e pela associação dos que deveriam nos representar à organizações nefastas que flertam com o fascismo, conservadorismo, segregação social, operando à luz do dia a necropolítica, conforme conceitua Achille Mbembe. Precisamos superar esse momento histórico trágico pelo qual passamos nos últimos anos, de tantos retrocessos e ataques aos trabalhadores e trabalhadoras, de tantas mortes evitáveis e tanto medo. Precisamos ter coragem de fazer as escolhas certas, transpor ranços do passado, e caminharmos para a retomada dos nossos direitos enquanto povo brasileiro. Não quer dizer que apenas votar será suficiente, a vigilância constante se faz necessária após as eleições, pois o fisiologismo político está entranhado nos espaços políticos institucionais. Os governos em sua maioria de centro, direita e extrema direita implementaram profundas reformas que afetaram a todos e todas nós. Tenho lutado para que os servidores públicos compreendam que votar nesses quadros é sempre votar contra nós mesmos, é colocar a raposa no galinheiro. Sem apoio político institucional, a luta é sempre muito mais árdua e as conquistas menos viáveis. Mas não é só na presidência da República que está o problema, um presidente comprometido, porém com um congresso dominado por partidos de centro e políticos que atuam por interesse de grandes corporações e indústrias, que tem compromisso mais com eles próprios do que com o país, é tão inviável quanto um presidente incompetente. Precisamos ir para as ruas construir essa mudança com o povo brasileiro!

Sabemos a importância do voto para todos os cidadãos brasileiros, mas os critérios na escolha dos candidatos são diferentes para cada pessoa. De que forma buscar fortalecer, a partir da sua escolha, a representação de uma categoria, como os trabalhadores do Judiciário?

Emanuel Dall`Bello dos Santos – Temos trabalhado no âmbito da Federação Nacional dos Trabalhadores do Poder Judiciário dentro da qual coordeno a região sul, que tem características políticas muito peculiares, com o incentivo na formação de bons quadros políticos dentro da nossa categoria, mas que não busque atuar dentro de uma bolha, e sim, com um olhar sobre toda a sociedade. Servidores e servidoras públicas são classe trabalhadora, e devem se entender como tal. No dia 14 de julho será lançada nossa plataforma política, construída conjuntamente com a Fenajufe e Fanamp, que norteará a nossa atuação política antes, durante e depois das eleições. Mas acredito que devemos ir além. Precisamos falar em representatividades ampliadas, que possam mudar o cenário hegemônico de debates políticos no Brasil, composto majoritariamente por homens brancos, ricos, cis-heteronormativos, com mais de 50 anos. Precisamos ocupar os legislativos e executivos com mulheres, negras e negros, representantes dos povos originários, membros e membras da comunidade LGBTQIA+. E não só eleger, mas trabalhar para dar condições reais do exercício de seus mandatos, pois a violência política tem aumentado substancialmente e afastado muitas pessoas da política (e até do país).

Que pontos hoje são essenciais a serem observados, na sua opinião, nas pautas dos candidatos ao Executivo e ao Legislativo em relação ao funcionalismo público e ao sindicalismo?

Emanuel Dall`Bello dos Santos – Descongelar, revogar e respeitar. Descongelar todo o orçamento público, que desde o período de Temer, tem aprovado projetos diversos a nível federal e estadual de congelamento de investimentos públicos. Sim, investimentos, não gastos ou despesas. Fundamental dentro desse tema o debate sobre a necessidade de revisão e auditoria da dívida pública do país e dos Estados. No RS, a possibilidade de adesão ao RRF, se aprovada, será mais um duro golpe desferido contra a população. Revogar todas as reformas anti-povo, como a trabalhista, a previdenciária, retirar de pauta a administrativa e ampliar o debate público sobre a necessidade de uma reforma política e uma reforma tributária que amplie a democracia e que taxe grandes fortunas e dividendos, dentre outras discussões importantes. Respeitar o movimento sindical, os movimentos sociais, os órgãos de defesa do meio ambiente, o setor público como um todo. Creio que esses três temas sejam importantes para iniciarmos esse debate.

Tivemos nos dois anos de pandemia uma aceleração das mudanças nas relações de trabalho. A “Justiça 4.0” trouxe novas realidades para os trabalhadores, como o teletrabalho. De que forma isso impacta a vida do trabalhador e também o movimento sindical?

Emanuel Dall`Bello dos Santos – O termo Justiça 4.0 precisa ser melhor avaliado sobre o ponto de vista conceitual. Apesar de utilizado também pelo Conselho Nacional de Justiça, acredito que devemos falar em Judiciário 4.0. A justiça é muito mais amplo. O novo paradigma almejado pelas cúpulas, de um Judiciário 100% digital, ainda carece de muita construção coletiva e uma análise aprofundada sobre seus limites e seus impactos. No período que antecedeu a pandemia da Covid-19, muitos estados ainda engatinhavam na implementação de modalidades de trabalho não presencial, o que ocorreu de maneira forçada desde 2020. Junto a esse processo, falta de formação, de informação, metas descabidas, inúmeros sistemas. Os problemas para uma adaptação básica foram muitos. Contudo, foi a tecnologia que possibilitou que o Judiciário não parasse, e que muitas pessoas que desejavam trabalhar em home office ou teletrabalho pudessem vivenciar essa experiência. Ainda é muito cedo para falarmos sobre todas as consequências que advirão do processo de transição da natureza do trabalho, mas é possível destacar aspectos negativos e positivos. Os negativos decorrem, em sua maioria, das políticas abusivas de metas; da ausência de jornada, que ocasiona excesso de trabalho; da confusão entre espaço laboral e espaço residencial; do adoecimento físico e psicossocial e do isolamento. Todos esses impactam diretamente a vida do trabalhador e o movimento sindical, que precisará atuar fortemente e com qualificação técnica para mitigar esses problemas e manter mobilizada uma categoria cada vez menos presente nos espaços físicos de trabalho coletivo. Destacam-se como positivos o fato da não necessidade de deslocamento ao trabalho, que traz como reflexo redução de despesas, melhor utilização do tempo e menor impacto ambiental; a proximidade da família, que muitas vezes também reside em outra comarca; a possibilidade de autogestão do tempo de trabalho (que pode ser um problema, dependendo das metas aplicadas); uma nova ferramenta de solução para casos de assédio (lembrando que também existe assédio em teletrabalho); dentre outros. Neste momento, o maior desafio é aprofundarmos os debates na base, aplicarmos pesquisas, asseguramos que não haja excessos por parte dos tribunais e pensarmos na nossa proposta enquanto movimento sindical para o formato que queremos e que respeite o trabalhador e a trabalhadora, fortalecendo a atuação junto aos Tribunais e CNJ pela regulamentação justa e pelos cuidados com a saúde da categoria.

Vemos uma plataformização do mundo do trabalho e um novo paradigma para o trabalhador, que passa a medir seu trabalho não por horas, mas por metas. Como você vê este produtivismo? Como as entidades devem abordar este tema?

Emanuel Dall`Bello dos Santos – Até hoje, nenhuma política de metas que eu tenha tido contato dentro do judiciário pátrio fez sentido. Isso quando há alguma política, e não somente números e tabelas jogados em um grupo de WhatsApp, seguidos da cobrança sob a pressão da ameaça. O produtivismo não deve ser o ponto de partida da discussão sobre as mudanças necessárias à justiça para a consecução do seu fim social, mas sim, a ampliação do acesso efetivo à justiça, do número de trabalhadores públicos, sua constante qualificação, a garantia de seus direitos e um profundo processo de democratização e humanização desse poder. Não somos engrenagens, somos seres humanos, dotados de inúmeras habilidades, mas também de muitas necessidades. Um dos maiores problemas que temos enfrentado no RS é que muitas pessoas têm trabalhado de 1 a 3 horas a mais por dia para conseguir dar conta das metas, e não perder o dito “benefício” do teletrabalho. Isto não é um benefício, apenas uma outra forma de trabalhar. Ricardo Antunes discorre sobre o conceito de “captura da subjetividade” nesse processo, onde o trabalhador é posto num local equivocado de empreendedor de si mesmo, e se torna o responsável pela gestão de todos os problemas atrelados ao seu trabalho, o que tem se tornado um vetor do adoecimento psíquico. Está cada vez mais evidente que o processo de plataformização tem precarizado sobremaneira as relações de trabalho e os direitos trabalhistas, aprofundando a estratificação social e vulnerabilizando cada vez mais a classe trabalhadora, enquanto a renda fica cada vez mais concentrada na mão da burguesia tecnocrata. É contra isso que devemos lutar, buscando critérios objetivos e justos para nortear o trabalho nesta nova era que se avizinha. Fiquemos atentos também ao conceito de “novo” dentro desse contexto, pois como bem trabalha Vitor Filgueiras em seu livro “Novo, de Novo”, a defesa das novidades é uma das ferramentas para reafirmação do velho, discorrendo que o capitalismo se reinventa constantemente para garantir sua manutenção.


Fonte: Assessoria de Comunicação do SINDJUSTIÇA | Ampli Comunicação
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