A CASA DO SERVIDOR DA JUSTIÇA

Noticias | Informe-se

Carta aberta aos Integrantes das Equipes Interprofissionais do Tribunal de Justiça de Goiás

Por Cláudio H. Pedrosa

Caríssimas e caríssimos analistas judiciários das áreas de Pedagogia, Psicologia e Serviço Social.

Dirijo-me especialmente a vocês, não porque considere que haja algo de mais nobre ou específico em suas áreas de atuação, e muito menos por considerá-los menores ou menos importantes do que as outras categorias. Mas, simplesmente, porque vocês são o grupo de servidores do qual eu faço parte. Em respeito à linguagem contemporânea, podemos dizer que estamos no mesmo lugar de fala: o lugar das Equipes Interprofissionais Forenses.

Mesmo sem perder de vista que temos diferenças e especificidades, tanto no âmbito do Tribunal de Justiça de Goiás – pela particularidade dos serviços que prestamos à magistratura e ao público jurisdicionado -, quanto dentro das equipes – pela especificidade de cada área ou profissão – e, mais ainda, entre cada um ou cada uma de nós – pelas singularidades que nos constituem como seres humanos diversos, em nossas identidades e pertencimentos subjetivos – precisamos ressaltar as ligações que nos identificam e que permitem que a gente se reconheça como iguais, associados pelos mesmos direitos e deveres, partícipes do mesmo Estado de Direito.

Homens e mulheres, negras ou não, lésbicas ou não, com diferentes credos e diferentes origens regionais e familiares, mesmo nesse mosaico, compartilhamos pelo menos um destino comum: Formamos aqui, como servidores assalariados do Poder Judiciário, uma comunidade de destino. Ligados pela compensação da folha de pagamento, pela meta da produtividade, pela necessária subordinação administrativa, pela convicção de que nosso cargo foi uma conquista e não um favor ou uma herança e pela confiança de que nosso trabalho está a serviço de um mundo melhor. Mesmo diferentes, temos muito o que nos une.

Começo pelo reconhecimento de que somos pessoas diferentes, mas temos muita coisa em comum. Observem que, em nossa língua, ser pessoa vem antes de ser diferente, sinalizando uma importante possibilidade de comunhão. Em seguida, chamo a atenção de vocês para o atual estado de coisas, que ameaça de maneira sistemática e crescente essa possibilidade de comunhão. A negação das diferenças, o fechamento do diálogo, o isolamento individualista, a negação violenta da política, a recusa ao debate e o esvaziamento do espaço público como local de convivência, aprendizado e crescimento, tudo isso tem nos adoecido. Somente quando a doença, instalada de maneira gradual e crônica, se apresenta em crises agudas é que procuramos nos mobilizar para tentar combatê-la. Mas, nesse caso, a epidemiologia mostra que é tarde demais.

Estive recentemente no Congresso Nacional da Federação dos Servidores Estaduais da Justiça. E o cenário em outros estados não é muito diferente do nosso. Uma agenda de cortes de investimentos em serviços públicos, com impacto em benefícios e conquistas históricas do/as trabalhadores/as, uma campanha de difamação dos servidores, uma cobrança produtivista baseada apenas em números e uma ideologia de competição e rivalidade interna, com impacto na qualidade de vida e na saúde dos servidores em geral. Exclusão, preconceito, sentimento de solidão, assédio moral, adoecimento mental e doenças orgânicas são as consequências mais imediatas. A longo prazo, o que já vem se constatando é um cenário de instabilidade jurídica, uma descrença nas instituições, a desvalorização da democracia e um desprezo violento pelos direitos humanos.

Meus amigos e minhas amigas, colegas integrantes dessa comunidade de destino. Confesso para vocês que não tenho certeza de que seja possível reverter esse cenário. Um palestrante, jurista e intelectual de esquerda, durante o mencionado congresso, falou com convicção que o enfrentamento dessa situação sinistra exige que as lideranças sindicais assumam um papel de vanguarda no comando da mudança. Talvez, achando que todos os participantes do congresso eram dirigentes sindicais, sua fala foi assertiva. “Cobrem! Sejam firmes com suas bases! Estejam na linha de frente! Mostrem a direção para os demais. Sejam vanguardas!”, disse ele.

Eu nem sei o que dizer, porque nunca ouvi algo tão desconectado da realidade atual… O palestrante não se deu conta de que se um dirigente sindical vier bancar a vanguarda por aqui… e “pisar firme na base”, o chão desaba sob seus pés. Como dizem em Goiás, “Moço, tem base não!”. De que adianta a tal vanguarda, se não tiver retaguarda?

Para mim, mesmo sem a certeza de que será possível reverter esse cenário, foi mais fácil concordar com as sugestões das palestrantes que representaram as comunidades indígenas e as mulheres negras. Dessas falas veio a observação de que todo pequeno ganho soma-se ao conjunto para reformular a estrutura. Por isso, ele não deve ser negligenciado.Toda pequena mudança e toda resistência, desde que orientadas por um projeto comum, por uma meta de sociedade melhor, são valiosas. É assim que as nações indígenas lutam há 500 anos contra o projeto de extermínio; que as mulheres negras resistem e avançam em conhecimento e reconhecimento, apesar da exclusão, do preconceito e da violência que sofrem cotidianamente. O paradoxo de que esses grupos, mais violentados, foram os que melhor souberam aproveitar as pequenas vitórias, fortalecendo sua organização coletiva, seu sentimento de comunidade, inspiradas num princípio de existência ancestral e orientada para as novas gerações, para mim, pareceu algo mais inspirador. Não tanto no sentido de querer formar uma liderança, assumir a vanguarda de nenhum movimento, mas no sentido de engrossar o caldo, de compor uma base, formar um coletivo a partir do qual seja possível lançar projetos e criar mais do que vanguardas. Criar alianças entre pessoas diferentes.

Inspirado por essas experiências é que escrevi esta carta aberta às pessoas que integram as Equipes Interprofissionais Forenses, profissionais de Pedagogia, Psicologia e de Serviço Social, homens e mulheres, negras e não negras, homossexuais ou não, com o objetivo de chamar atenção para a necessidade de transformações profundas na estrutura da nossa sociedade, sem perder de vista as transformações pequenas e superficiais no nosso cotidiano, igualmente urgentes. Urgente, como o estabelecimento de parâmetros de avaliação da nossa produtividade que reflitam a complexidade do trabalho da perícia forense. Urgente, como a realização de concursos para o nosso cargo, que ficou fora do último edital do TJGO. Urgente, como a necessidade de explicitar para a sociedade e demais integrantes do Judiciário, a importância social do trabalho das Equipes Interprofissionais.

Enfim, escrevi esta carta porque espero que permitam que eu me junte a vocês, assumindo que somos pessoas diferentes, com pelo menos um destino em comum: o serviço público. Nesse destino em comum, que faz de nós, em alguns aspectos, uma comunidade de destino, o sindicato é uma ponte relativamente segura. Talvez não seja uma ponte indestrutível, talvez balance mais do que gostaríamos, mas certamente é uma ponte conhecida, que procuramos e encontramos quando não vemos alternativas. E como essa ponte é feita da nossa própria fibra, quantos mais formos e mais próximos estivermos, mais forte será a ponte. Mesmo não estando convicto de que poderemos reverter o momento sombrio pelo qual estamos passando, estou certo de que só poderemos fazê-lo, se for de forma coletiva.

Por isso peço a você que considere se filiar ao sindicato e participar das mobilizações para fortalecer as bases dessa ponte e não permitir que ela caia.

Cláudio Pedrosa é Delegado sindical por Aparecida de Goiânia e Analista Judiciário da Equipe Inteprofissional Forense de Aparecida de Goiânia (GO)


Fonte: Assessoria de Comunicação do SINDJUSTIÇA | Ampli Comunicação
Wildcard SSL Certificates