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Desacato a servidor público continua a ser crime, diz STJ

STJ

Após decisão de dezembro de 2016 entendendo que desacato a funcionário público no exercício de sua função não era crime, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) voltou atrás e definiu que a conduta continua criminalizada – conforme prevê o artigo 331 do Código Penal.

Com esta interpretação, os ministros uniformizaram o entendimento do tribunal sobre a criminalização ou não do desacato. É que a decisão da última quarta-feira (24/5) foi tomada pela 3ª Seção, que reúne as duas turmas de direito penal da corte. E a decisão pela descriminalização ocorreu na 5ª Turma.

O crime de desacato é definido por ser praticado por particular contra a administração pública. Segundo o artigo 331, o delito é configurado por “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela”, sendo que a pena é de detenção de seis meses a dois anos, ou multa.

De acordo com o ministro Antonio Saldanha Palheiro, autor do voto vencedor no julgamento do HC 379269/MS, a tipificação do desacato como crime é uma proteção adicional ao agente público contra possíveis “ofensas sem limites”.

A figura penal do desacato, segundo Palheiro, não prejudica a liberdade de expressão, pois não impede o cidadão de se manifestar, “desde que o faça com civilidade e educação”. O ministro destacou ainda que a responsabilização penal por desacato existe para inibir excessos e constitui uma salvaguarda para os agentes públicos, expostos a todo tipo de ofensa no exercício de suas funções.

Relator do caso, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca ficou vencido no julgamento ao votar que a imputação penal por desacato deve ser afastada. Para ele, enxergar o desacato como tipo penal contraria o Pacto de San José – Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada pelo Brasil em 1992 – por afrontar a liberdade de expressão.

Fonseca apontou que eventuais abusos gestuais ou verbais contra agentes públicos poderiam ser penalmente responsabilizados de outra forma, e a descriminalização do desacato não significaria impunidade.

Relator do caso julgado em dezembro pela 5ª Turma, o ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas afirmou que não se deve impor uma blindagem aos agentes públicos no trato com os particulares. Ao acompanhar o voto de Fonseca, disse que o Judiciário gasta muito tempo e dinheiro para julgar ações por desacato, muitas vezes decorrentes do abuso do agente público que considera como ofensa a opinião negativa do cidadão.

Votaram pela manutenção do desacato como crime os ministros Felix Fischer, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge Mussi, Rogerio Schietti e Nefi Cordeiro.

Cenário anterior

A advogada criminalista Gisela Aguiar aponta que o Brasil volta a estar em descompasso com a orientação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH),  firmada há mais de 20 anos.

“Um ponto nevrálgico dessa discussão é que o tipo penal de desacato é excessivamente aberto e por isso viola o princípio da taxatividade. Não há mínima definição legal do que seria ‘desacatar’, ao arrepio do que exige o art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal”, explica a especialista.

Para ela, embora a 3ª Seção aluda à delimitação do crime apenas aos casos de abuso, não há diretriz legal para discernir o que é direito de crítica e o que transborda para a “falta de civilidade e de educação”, para o “desrespeito” – noções que chama de “muito vagas”. Assim, o julgamento do que é ou não é desacato fica inteiramente a cargo do aplicador da norma.

“Com isso, gera-se insegurança jurídica e abre-se espaço para o arbítrio. Essa insegurança é que indiretamente implica um cerceamento à liberdade de expressão e de crítica à atuação estatal. Não raro vemos casos de uso abusivo desse tipo penal, o que havia sido destacado no julgamento anterior da 5ª Turma”, afirma Aguiar.

O professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Lavras (UFLA) Rafael Garcia aponta que a questão é que no crime de desacato o sujeito passivo é o Estado ou a Administração Pública, que é atingido através da ofensa ao funcionário público de forma indireta.

“No entanto, a descriminalização não deixaria de proteger o agente, até mesmo porque há previsão legal dos crimes contra a honra e também a reparação civil por dano moral. A descriminalização apenas reconheceria que o Estado não é atingido quando um funcionário público é ofendido, o que aproximaria o Estado brasileiro a um Estado Democrático de Direito e também liberal”, pondera.


Fonte: Jota
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