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“Guardar a constituição não é protegê-la contra a ação do tempo”

Com o tema Processo Constitucional e Ativismo Judicial: interpretação ou criação do direito, o ex-procurador-geral da República, professor Inocêncio Martires Coelho, ministra hoje a aula inaugural do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu – Área de Concentração: Direito Processual Constitucional (Tribunal de Justiça do Estado de Goiás/Universidade Federal de Goiás) no auditório da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (ASMEGO). Ao todo, 12 servidores do TJGO foram aprovados na seleção para a especialização – dois em lista de espera. Considerado um dos mais renomados constitucionalistas brasileiros, Inocêncio é doutor pela Universidade de Brasília (UnB) e atualmente integra, em caráter permanente, o corpo docente do Programa de Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Nesta entrevista concedida ao portal da Escola Superior da Magistratura de Goiás (ESMEG), o jurista elogia a atuação da Suprema Corte brasileira. “Guardar a Constituição não é protegê-la contra a ação do tempo – o que a faria definhar e morrer –, mas fazê-la reagir e funcionar diante das provocações sociais, testando ao limite a sua força normativa”, diz, referindo-se ao posicionamento do STF diante de temas polêmicos. Confira trechos da entrevista.

ESMEG – Em uma realidade em que a sociedade cobra cada vez mais celeridade do juiz  e as demandas se avolumam, além das cobranças das corregedorias e Conselho Nacional de Justiça, como situar a importância e pertinência social dos temas ativismo judicial e criação judicial do Direito? Qual a decorrência prática deste estudo para a sociedade?

Inocêncio Martires – A importância do tema está diretamente relacionada como o novo papel que a sociedade atribui à magistratura, antes vista como instituição passiva, aplicando mecanicamente a lei. Hoje ela é vista como um autêntico Poder do Estado, criando o direito nos chamados casos difíceis, que embora não previstos pelo legislador, não podem ficar sem solução. O Direito, costumo dizer, sempre foi criado em dois tempos e a quatro mãos, cabendo ao legislador a tarefa de formular os enunciados linguístico-normativos, e ao intérprete/aplicador extrair deles as normas adequadas a cada situação hermenêutica. A novidade é que, hoje, isso é aceito normalmente, enquanto no passado era considerado ofensivo ao dogma da separação dos poderes.

ESMEG – De forma sintética, o senhor poderia nos dizer qual seria a diferença essencial entre ativismo judicial e criação judicial do Direito?

Inocêncio Martires – Diferença essencial eu não vejo. O que chamam de ativismo judicial seria uma espécie de excesso de criatividade, pois o juiz sempre criou direito e não tem como deixar de fazê-lo, pois normas abstratas e gerais não resolvem casos particulares.

ESMEG – O juiz, na interpretação das leis e aplicação do Direito, necessariamente, cria a norma? Se sim, em que medida?

Inocêncio Martires – De certa forma, a resposta está contida na anterior. No momento em que formula a regra de decisão ou a norma do caso, o juiz é obrigado a “dobrar” a lei, para passar do abstrato e geral ao concreto e particular, e, assim, dar a cada um o que é seu, realizando a Justiça em sentido material. Afinal, “quem planta normas não pode colher justiça”.

ESMEG – A crítica dos demais poderes ao ativismo judicial é injusta? Esta visão decorreria de uma noção ideológica que pretende descredibilizar o papel do Poder Judiciário, ou trata-se de uma “teoria da conspiração”?

Inocêncio Martires – Nem uma coisa nem outra. Rigorosamente, o que se chama de ativismo judicial, na maioria dos casos, é apenas uma criação judicial do direito em sentido forte, como acontece em algumas decisões mais ousadas dos tribunais constitucionais.

ESMEG – Há razão para os críticos mordazes do ativismo judicial?

Inocêncio Martires – Os bons críticos do ativismo judicial não são os mordazes, mas os estudiosos de maior quilate, geralmente juristas de sólida formação acadêmica, para os quais, além de certos limites – a serem objetivamente definidos – corremos o risco de transformar o Estado constitucional de Direito num Estado judicial de Direito. Uma espécie de novo “governo dos juízes”, o que não é bom para ninguém.

ESMEG – Na sua percepção, o STF tem atuado constantemente como “legislador positivo”? Se fôssemos colocar em uma balança, o Supremo tem mais acertado do que errado?

Inocêncio Martires – Não, absolutamente, até porque produzir “legislação judicial” está na contramão da separação dos poderes, mesmo em sentido fraco. O saldo do STF é altamente positivo e, tal como a Suprema Corte dos Estados Unidos, o nosso tribunal constitucional tem passado na “prova do pastel”, ou seja, tem produzido muito e produzido bem, pela consciência de que guardar a Constituição não é protegê-la contra a ação do tempo – o que a faria definhar e morrer –, mas fazê-la reagir e funcionar diante das provocações sociais, testando ao limite a sua força normativa, para ver se os seus comandos ordenam, efetivamente, o processo político ou não passam de simulacros de constituição.

ESMEG – Que mensagem o Senhor deixa para magistrados estaduais e futuros magistrados que se preparam na Escola da Magistratura de Goiás em relação à necessidade de estudo deste tema? E em relação à adoção de uma postura ativista, o senhor incentivaria?

Inocêncio Martires – A função do juiz é fazer justiça, dando a cada um o que é seu. Se esse for o preço a pagar pelo ativismo, então este deve ser estudado a fundo e praticado com alto senso de responsabilidade.


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